terça-feira, fevereiro 24, 2015

George la Tour-Madalena Arrependida

Há tempos atrás li um livro em que um dos personagens (rapaz muito jovem) acusava a namorada de proceder constantemente como uma 'madalena arrependida', coisa que ofende solenemente a rapariga e com isso põe um ponto final no namoro, já por si bastante tremido.
 Mais tarde a mesma vai pesquisar o que é isso de 'madalena arrependida' e considera ter sido o namorado bem pouco perspicaz porque se havia coisa que ela não era, era uma 'madalena arrependida'.
Ora, o que ali estava em causa da parte dele era o lançamento de palavras que o próprio não sabia o que significavam e da parte dela o ter-se ofendido com algo que  não sabendo o que era, aguçaram-lhe contudo o apetite para ir pesquisar sobre o significado desse epíteto.
Durante a nossa vida já quase todos nós ouvimos dizer que determinada pessoa chorava ou comportava-se como uma madalena arrependida, ou que tinha procedido como tal.
Madalena é uma personagem bíblica. Foi prostituta e tendo tomado conhecimento das palavras de Jesus Cristo, deixa o seu passado para trás e segue-o religiosamente, tornando-se uma das suas mais fervorosas apóstalas. Lava-lhe os pés com grande cuidado e carinho e seca-os com os seus longos cabelos negros. É das que mais chora o seu infortúnio,  que o lava  e o perfuma depois de morto juntamente com Maria mãe de Cristo. Será também ela que receberá a noticia do seu ressuscitamento após visitar os eu túmulo e o ter encontrado vazio.
Quem não se lembra da actriz  Mónica Beluchi fazendo de Maria Madalena no filme de Mel Gibson A Paixão de Cristo, seguindo-o no seu calvário, chorando por Cristo  como mais ninguém?
Fiz esta introdução sobre esta mítica personagem bíblica para abordar uma das muitas telas que sobre Madalena foram criadas. A que trago aqui é de George de la Tour, pintor nascido no dia 13 de Março de 1593 na localidade francesa de Vic-sur-Seille na Lorena francesa  e falecido a 30 de Janeiro de 1652  em Lunéville, também localizada na mesma área.
 Este A Madalena Arrependida de la Tour pintada por volta de 1635 tem a particularidade de fugir um pouco aos canônes habituais dos muitos pintores que retrataram esta personagem bíblica.
De facto o que aqui vemos é uma dualidade luz/sombra muito relacionada com a tradição da pintura de Caravaggio e onde também impera o simplismo. Todo o quadro é espartano e totalmente despojado. Esta Madalena Arrependida concentrasse no período em que Madalena que fora uma pecadora lamentava o seu passado. Contudo, essa lamentação não está impregnada de choros e lágrimas.
 O que vemos é uma mulher mais pensativa que propriamente arrependida. Ela está emersa nos seus pensamentos, está entregue a uma profunda meditação acariciando um crânio, crânio esse que se reflete no espelho que a mesma tem à sua frente. A vela,  única luz que o quarto possui está por sua vez oculta pela superfície abaulada desse crânio. Parte do seu rosto está tapado pelos cabelos lisos e se a mão direita está pausado no rosto a esquerda como que acaricia o crânio. Tudo o resto é escuridão e apenas a vela e o vestido branco desta madalena dão cor a esta tela absolutamente magnífica.

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