Ontem fui ver o filme "The Tree of Live/ A Arvore da Vida", filme vencedor do festival de Cannes deste ano.O filme é do realizador Terence Malick. A sala estava cheia, mas fiquei com a sensação que se o filme não tivesse o selo de vencedor deste importante festival estaria lá apenas uma dúzia ou pouco mais de espectadores. Apesar de ter uma grande legião de fãs, T.Malick nunca foi um realizador consensual e de agrado do grande público, principalmente o norte americano, e consegue aquilo que Woody Alen não consegue, a saber, ser detestado na sua terra natal e na europa... um feito de monta! Isso fica a dever-se ao facto de os seus filmes terem sempre dividido ( e muito) a opinião pública. O facto de ser um realizador que há 3 dezenas de anos ninguém lhe coloca a vista em cima, assim como ter no seu currículo meia dúzia de filmes em 40 e tal anos de carreira como realizador e ainda o facto dos seus filmes levarem anos a serem pensados e outros tantos anos a serem realizados, temos um conjunto de factores que fazem deste realizador uma ave rara no panorama cinematográfico. Consta que este seu último filme levou10 anos a ser escrito,(o argumento é do realizador), a arranjar financiamento, a pensar nos actores (Brad Pitt foi segunda escolha visto que o realizador teve sempre em mente o malogrado Heath Ledger para o papel daquele pai repressor) e também a arranjar a cidadezinha ideal para o desenvolvimento da história.O perfeccionismo de Malick levou-o a percorrer durante dois anos, centenas de cidadezinhas americanas até descobrir Smithville e considerá-la a cidade ideal!A escolha deste cenário revelou-se fundamental, posto que o que ali se passa não poderia ser noutro sítio senão naquela terra perdida no tempo, uma América profunda imbuída de uma religiosidade quase palpável e em que os valores familiares estão tão arreigados que tudo acaba por ter um pendor quase que religiosamente terrífico e onde a relação do pai com os seus três filhos é prova disso mesmo.Brad Pitt consegue dentro das suas limitações como actor dar boa conta do recado, visto que trabalhar com o método Malick não é fácil, uma vez que os actores têm eles próprios que, a partir de um pequeno guião desenvolver o seu papel.Pode parecer aliciante, mas parece-me que ao fim de algum tempo deve tornar-se uma tarefa esgotante a todos os níveis!B.Pitt não atinge a meu ver, a dureza que seria essencial para o papel, mas essa sua intrínseca fraqueza acaba por ser um trunfo para o filme e para o desenvolvimento da mesma.Quem considero que está excepcional é a actriz Jessica Chastain, como mãe e esposa e o jovem actor Hunter McCracken como jovem Jack O'Brian.Este jovem actor consegue sem grande falas (aliás todo o filme tem pouquíssimos diálogos) 'carregar' o filme aos seus ombros através da postura corporal e principalmente através do olhar. É no seu olhar que perpassa todo a sua relação amor/ódio pelo pai, puro amor pela mãe e pelos irmãos, por aquela cidadezinha... e quando a transição é feita para Sean Penn, sabemos que quem, ali continua a estar é ainda o jovem Jack O´Brian, perplexo e perdido pela não resolução do conflito que sempre travou com o pai agravando-se pela perda de um irmão, o preferido, um 'Abel' que sempre conseguiu atingir o coração do pai pela sua bondade, talento musical e calma.Jessica Chastain é a esposa modelo, a que está sempre presente na educação dos filhos, a mulher/mãe, a mulher que nasceu para ser mãe.É através da bondade dela e que procura afincadamente transmitir aos filhos que Malick liga todo o filme a uma religiosidade cósmica quase assustadora.É precisamente essa religiosidade, mostrada através de imagens muito bonitas e em que a água está constantemente presente como elemento de fruição e de ligação entre o Homem e a mãe Natureza, que o filme atravessa a linha entre o que é cinema, ou entre aquilo que entendemos como cinema, e passa a ser algo de difícil definição.Arte? Considero que sim! É precisamente essa nova concepção de ver cinema, que leva a que amemos esta obra de arte ou a odiemos posto que considero que não há meio termo. E é precisamente aqui que muita gente claudica e abandona a sala, porque o que passamos a ver, a partir do momento em que ela, a mãe recebe a notícia da morte de um dos seus queridos filhos, é a procura de apaziguamento interior, de consolo e então o que lhe resta é virar-se para algo que lhe seja superior e que lhe dê as resposta que ela procura, que no fundo sempre procurou.Ela é a mulher etérea, frágil, bondosa, ligada à vida, que comunga com a natureza, que adora os seus filhos que ama todos os animais viventes...por isso não sabe lidar com a morte.Esta última é uma entidade que lhe escapa, que não entende, que não quer aceitar, por isso esta mãe não encontra consolo neste mundo!Então, só lhe resta virar-se para o cosmos e aí indagar pelo porquê da sua provação/sofrimento.As respostas vão sendo dadas ao longo do filme e no fim dá-se o apaziguamento, posto que todos se encontram, todos estão ligados... no fundo é a ligação à árvore da vida, às suas várias ramificações, porque por mais que nos estendemos no tempo, as nossas raízes prendem-nos àquilo que foi o nosso passado e que pode-nos torturar o futuro.É um apaziguamento que não só se estende à mãe e a Jack O'Brien adulto, mas também àqueles que assistem ao filme, pelo menos aos que se entregam ao mesmo e que se querem sentir apaziguados.Senti-me bem com o filme, gostei do filme, sabia ao que ia, visto que T.Malick não defrauda as expectativas daqueles que estão dispostos a ver algo mais do que um filme e a comungarem com a sua visão do mundo. Não censuro as muita pessoas que saíram do filme, nem as que escreveram autênticas barbaridades acerca do filme no cartaz colocado à porta do cinema para esse efeito. O que censuro é que as pessoas não se informarem antes de comprar o bilhete e irem ver este longo filme.Quem vai ver um filme de Terence Malick já sabe que ele tem um modo muito suis generis de fazer cinema que possuiu uma visão do mundo muito própria e que desconfio que por mais alguns poucos filmes que possa escrever e realizar até ao fim dos seus dias nunca irá abdicar dessa mesma visão.Amamos ou odiamos este realizador, o que eles não nos deixa é nunca indiferentes. Lembro-me de o filme terminar e as pessoas continuarem sentadas como que em estado de choque, uns bateram palmas, outros assobiaram, outros nada diziam de tão estupefactos.O mesmo aconteceu aquando da sua estreia em Cannes.Malick...em todo o seu esplendor!Ah...a cena dos dinossauros?Existe de facto no filme? Existe sim...e fazem todo o sentido!Um belíssimo filme!
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