O homem que aqui aparece, voltado para nós, encontra-se de pé em frente ao ângulo de uma alta parede que estranhamente acaba por ocupar grande parte da pintura.A cor da sua pele parece doentia, de emaciada que está. Das escuras órbitas dos olhos emerge contudo um olhar sério, tenso e desconfiado. Podemos também interpretar este olhar como vigilante ou até tímido, pelo modo como está dirigido para nós. Tem um casaco cuja gola se encontra totalmente levantada, o chapéu está quase que totalmente enterrado na cabeça, e tal como os olhos estão vigilantes, a boca está fechada e tensa.Este homem está tão desconfortavelmente próximo de nós que podemos discernir a sua barba por fazer.Está magro e tem um ar algo famélico.Contudo toda a pintura não retrata a estátua de um homem sem vida, mas sim como a de alguém que olha fugazmente para o lado enquanto contínua o seu caminho.Enquanto este homem olha para nós, mostra-nos o seu bilhete de identidade, que, por o estar a segurar tão de perto pode ser decifrado até ao mais infímo pormenor. O cartão tem um carimbo vermelho, com as palavras JUIF-JOOD.Esta é a versão bilingue belga de identificação judaica com a qual os ocupantes alemães estigmatizaram e perseguiram barbaramente os judeus por toda a Europa entre 1940/1945, de modo a registá-los para perseguição, deportação e exterminação. A gola do casaco voltada para cima, revela-nos também a Estrela Amarela.A pessoa que se revela secretamente a nós no lusco-fusco das traseiras de um qualquer beco urbano é Felix Nussbaum, pintor de descendência judaica da cidade de Osnabruck, na Alemana Ocidental e que viveu em exílio desde 1933, a partir de 1941 em Bruxelas onde se escondia em caves e sótãos. F.Nussbaum continuou sempre a pintar clandestinamente sob condições terríveis e vivendo constantemente com medo de ser detido.Esse medo teria detido outros artistas, mas Felix Nussbaum manteve uma força de vontade impressionante, acabando por usar esse medo como estímulo.Assim, clandestinidade, medo, força de vontade, acabam por descrever o mundo deste artista.Nesta obra e quase como que numa alegoria, verificamos vemos que as paredes velhas que aqui surgem como que circundam o artista. Ao longe vemos um prédio pintado com uma cor pardacenta e nuvens negras ameaçam o horizonte. Árvores podadas e algumas flores brancas dão uma ténue esperança de vida, mas no fundo é a escuridão que predomina ameaçadoramente. Com este auto-retrato, Felix Nussbaum procura testemunhar o intolerável terror da sua situação, assim como a sua coragem obstinada em resposta a esse terror, usando para isso o seu próprio corpo através de imagens precisas.Com esta pintura o artista acaba por criar um monumento ao horror da guerra e da intolerável maldade humana.Mesmo quando parece que não haver nenhuma saída, o ser humano não deve desistir porque ao não desistir, os últimos vestígios de dignidade acabam por sobreviver.Assim o artista fala portanto não só como um indivíduo clandestino, mas também por todos os seus congéneres judeus vítimas da perseguição nazi.Contudo, a sua força de vontade e fé de sobrevivência acabaram por não se cumprir, uma vez que alguns meses mais tarde (tendo criado mais algumas pinturas) Feliz Nussbaum foi denunciado, preso e levado juntamente com a sua mulher para o campo de Auschwitz, onde acabaram assassinados.O artista morreu mas esta sua obra 'Auto-Retrato com Bilhete de Identidade Judaico', é uma denúncia da barbárie e maldade humana.Uma obra portentosa,um óleo sobre tela que faz parte de uma colecção particular e que foi realizada pelo artista em 1943.
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