Judite Assassinando Holofernes |
No visionamento da segunda parte do soberbo filme Ninfomaníaca que já abordei aqui em post anterior, uma segunda parte mais negra, mais chocante, mais filosófica e onde vemos com grande tristeza que a personagem principal, uma fantástica Charlotte Gainsbourg não encontrará jamais a redenção, há um excelente diálogo entre ela e o seu ouvinte um soberbo Stellan Skarsgård,em que o mesmo diz que o difícil não é matar, visto que o ser humano nasce com uma compulsão para tal, mas sim termos a força suficiente para nunca o fazermos durante a nossa vida.
Fiquei a matutar neste e noutros diálogos muito bons entre ambas as personagens e à noite fazendo zapping por vários canais de televisão fui dar com um que exibia uma das muitas séries policiais existentes. Nela um grupo de detectives tentava descobrir um psicopata que degolava homens num ritual muito seu, algo muito caraterísticos desses assassinos e numa cena em que aparecia uma das suas vitimas não pude deixar de fazer uma associação entre o que estava a ver e um quadro da grande pintora Artemisia Gentileschi, denominado de "Judite Assassinando Holofernes", uma tela que sempre me fascinou pela tenacidade do acto de Judite coadjuvado nele por uma criada sua, não menos capaz.
Artemisia Gentileschi (pintora que já abordei aqui em vários posts e que dá nome ao meu blog numa clara intenção da minha parte de a homenagear),teve sempre perante a arte uma abordagem despretensiosa, apesar de nos seus quadres colocar toda a paixão e intensidade de que era capaz.
Foi uma pintora quase única entre as artistas do sexo feminino anteriores ao século XX. Talvez por ter sido violada por um dos amigos de seu pai, isso conferiu-lhe uma percepção muito especial da violência e da traição.Tal como qualquer mulher artista do seu tempo ( e não só) esta mulher teve de lutar e muito, contra os absolutismos latentes na sua cultura e na sociedade, que incluíam a convicção da inferioridade natural das mulheres, confinadas a adornos, à casa, aos filhos, ao cuidado do marido, e caso se entregassem às artes, isso não era visto mais do que meros passatempos, nada a ser levado em grande conta. Ora, vai ser contra essas ideias que Artemísia vai ter de lutar toda a vida, numa clara necessidade de lhe ser reconhecido o seu lugar entre os seus pares, o que só vem a ser feito após a sua morte, como quase sempre acontece. Essa necessidade de reconhecimento, faz com que tenha criado obras cheias de cor e de vida e contribuiu para a exaltação com que a mesma represente este conto bíblico do assassinato de Holofernes por Judite.
A.Gentileschi-Auto Retrato |
Nesta obra vemos como a cabeça deste opressor é visivelmente decepada e o sangue muito palpável escorra repelentemente pelo chão do quarto onde Holofernes se tinha deitado claramente embriagado. Nesta obra algo macabra, Artemísia teve necessidade de nos envolver nos pormenores mais prosaicos de um assassínio. Aqui não há espaço para a imaginação pois está lá tudo. Ela consciencializa-nos do heroísmo corajoso de Judite, salvadora do seu povo, aurora e senhora da morte do tirano e do significado do que é matar outro ser humano, tendo em vista um bem maior.
Tal como no diálogo entre Joe e Soleiman em Ninfoamíaca, de facto matar é fácil, basta estar embutido das ferramentas necessárias, o mais difícil é ter a coragem de não se sujar as mãos de não o fazer. Esta mulher, Judite quis e fê-lo e Artemísia Gentileschi, mostra-nos que uma mulher munida de uma faca e da sua mais fiel criada pôde fazê-lo entrando sorrateiramente no quarto do opressor. Tiveram a frieza e a determinação de decepar uma cabeça.
Um quadro soberbo.
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