Leviatã é uma figura mítica. Há diversas interpretações da mesma. Monstro marítimo que atormentava os navegadores (associados a baleias gigantes), o monstro mais poderoso dos mares. Está também conotado com o símbolo da mais pura inveja que o homem é capaz de sentir.
Vai ser pois esta figura mitológica que dará nome ao recente filme do realizador russo Andrey Zvyagintsev, um filme majestoso, triste, terrível, angustiante, claustrofóbico e que fez com que ganhasse o Golden Globes para Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Argumento no Festival de Cannes, Leão de Ouro na edição de 2014 do Festival de Cinema de Veneza e Nomeação para Melhor Filme Estrangeiro no ultimo Óscar e que só não ganhou porque estava lá outra obra portentosa que é o Ida.
Ver este Leviatã é entrar no mundo da mais pura ganância, maldade, corrupção, inveja, engano e morte. É um mundo assustador este que o realizador nos dá de uma Rússia na mais acelarada das transformações e que com isso tritura os mais fracos e indefesos neste caso na figura de Kolya a personagem principal interpretada magistralmente pelo actor Aleksey Serebryakov que vivendo numa pequena cidade o Mar de Barents, norte da Rússia, muito próxima do circulo polar Ártico vê toda a sua vida ser modificada pela corrupção e ganância de gente poderosa que acolhida no seio da igreja ortodoxa não olha a meios para alcançar os seus fins. É também um filme profundamente metafórico, posto que o que ali vemos é que Kolya nada mais é do que o símbolo de uma velha Rússia que está paulatinamente a desaparecer. Ele procura acerrimamente guardar as memórias dos seus antepassados configurados na robusta casa de madeira que o mesmo habita com a mulher e o filho, casa esta implantada na paisagem, como que fazendo parte da mesma e cuja destruição levará para sempre memórias que nunca mais voltarão. Para que isso não aconteça Kolya vai lutar, sabendo no fundo de si que é uma luta inglória. Daí o desespero e o afogar do mesmo em toneladas de vodca! Aliás, a vodca corre livremente, e estes homens e mulheres endurecidos e desesperançados da vida refugiam-se nela e no tabaco, como se de ambos viesse a salvação de todos as suas misérias físicas e morais.
Coadjuvado por este portento de interpretação que é a actriz Elena Liadova e pelo jovem actor Serguei Pokhodaev este Leviatã é um acontecimento cinematográfico ímpar.
Ver estes homens que passam os dias e as horas a beber vodca, como os corredores bebem água numa maratona e ver como o Estado e a Igreja são capazes dos actos mais bárbaros camuflados na palavra do Senhor e numa pseudo verdade ético-moral é sentir que de facto o ser humano é o predador mais terrível a face do planeta.
Tal com escreveu Peter Bradshaw no Jornal The Guardian, 'Leviatã é um drama trágico, convincente na sua seriedade moral, com uma gravidade e uma força que se transformam numa terrível e aniquiladora forma de grandeza'.
Um filme imperdível.
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