Maria do Carmo Vieira, 58 anos, professora, tem sido uma voz crítica dos programas de Português do ensino básico ao secundário. No seu último livro traça um retrato negro do ensino desta disciplina.
Fala apaixonadamente da experiência da leitura. Mas nem todos os alunos estão preparados para ela. Muitos não sabem sequer ler rótulos. Como se contorna esta realidade?
Ao partir-se de uma fasquia tão baixa como é a leitura de um rótulo ou das instruções de uma máquina de lavar, estaremos continuamente a nivelar os alunos por baixo. Porque não é na convivência com esses textos que educamos o interesse dos alunos para outra coisa mais elevada como a literatura. Tem de se melhorar os programas e voltar à exigência e à qualidade. Não o será com a implementação desta nova reforma que oficializou o nivelamento por baixo. Nunca levaria para a aula um rótulo de uma garrafa, instruções de uma camisola ou de uma torradeira eléctrica. Quando os alunos aprendem a interpretar os autores que são património, qualquer um saberá compreender uma instrução.
Do seu livro pode concluir-se que acredita que o ensino da língua se resume à leitura dos clássicos portugueses. É verdade?
Não. Falo da subestimação de que a literatura foi alvo, nos vários ciclos, na implementação da reforma em 2003, e do esvaziamento dos programas dos autores clássicos. E da rivalidade que se criou entre o “novo” e o “velho”. O “novo” foi introduzir em avalancha textos informativos e subgéneros [nos programas]. Os autores clássicos foram banidos porque foram considerados “chatos” e porque não correspondiam aos interesses dos alunos. A minha experiência e a de muitos colegas contraria os mentores da nova reforma, porque chatos são os professores que certamente não leram bem os clássicos e nem os sabem interpretar. Nesta dicotomia entre o novo e o velho, despreza-se o legado patrimonial do passado e privilegia-se o “real”, como os reality shows, porque supostamente correspondem aos interesses dos alunos. Como podemos ajudar o aluno a ter espírito crítico a discutir o Big Brother?
Diz que os professores não podem “servir o Estado como máquinas”. Mas há programas para cumprir. Qual o papel do professor para resistir ou contornar estes programas?
O professor tem, por vezes, de desobedecer. Quando nos pedem, por exemplo, para sermos compreensivos com os erros ortográficos. Não poderia levar as instruções da máquina de lavar para a aula, como se está a fazer a partir do 1.º ciclo. Tenho é que levar contos de fadas, e outros, para que os alunos se habituem desde cedo à palavra.
Fala da leitura do regulamento do Big Brother. Mas há outros, o professor pode escolher. Depende dos manuais.
Sim, mas sinto que se um aluno consegue interpretar um texto literário tem todas as ferramentas para quando sair da escola elaborar um regulamento, um currículo ou uma carta. Se escreve bem é porque sabe pensar, ora se sei pensar sei ler um regulamento. A aula de Português não é uma aula de secretariado, sem desprimor para o secretariado.
Há quanto tempo não dá aulas?
Desde 2007. Ainda que não esteja reformada, continuo em contacto com muitos alunos, por causa de um exame, de um teste ou de um trabalho, e também com colegas. É por isso que também vou conhecendo o que se passa na escola. E o que sinto é o acentuar da menorização da competência científica dos professores e a valorização de supostas competências pedagógicas. A escola tem de acrescentar algo aos alunos, essa é a sua função. Não é fazê-los regredir, fechando-os nos seus interesses.
Os interesses dos alunos não devem determinar aquilo que se ensina?
Creio que não são os alunos que devem definir os objectivos da educação. O que se tem é de prepará-los para a vida e isso requer qualidade e exigência. A sua ausência do ensino prejudicará todos, sobretudo os mais desfavorecidos. Por exemplo, lia a Enid Blyton dos Cinco, mas não na sala de aula. Agora os livros da ministra da Educação [Uma Aventura] vão para a aula. As minhas filhas leram-nos em casa, mas ficaria abismada se um professor lhes dissesse que iriam analisar esses livros.
Ao partir-se de uma fasquia tão baixa como é a leitura de um rótulo ou das instruções de uma máquina de lavar, estaremos continuamente a nivelar os alunos por baixo. Porque não é na convivência com esses textos que educamos o interesse dos alunos para outra coisa mais elevada como a literatura. Tem de se melhorar os programas e voltar à exigência e à qualidade. Não o será com a implementação desta nova reforma que oficializou o nivelamento por baixo. Nunca levaria para a aula um rótulo de uma garrafa, instruções de uma camisola ou de uma torradeira eléctrica. Quando os alunos aprendem a interpretar os autores que são património, qualquer um saberá compreender uma instrução.
Do seu livro pode concluir-se que acredita que o ensino da língua se resume à leitura dos clássicos portugueses. É verdade?
Não. Falo da subestimação de que a literatura foi alvo, nos vários ciclos, na implementação da reforma em 2003, e do esvaziamento dos programas dos autores clássicos. E da rivalidade que se criou entre o “novo” e o “velho”. O “novo” foi introduzir em avalancha textos informativos e subgéneros [nos programas]. Os autores clássicos foram banidos porque foram considerados “chatos” e porque não correspondiam aos interesses dos alunos. A minha experiência e a de muitos colegas contraria os mentores da nova reforma, porque chatos são os professores que certamente não leram bem os clássicos e nem os sabem interpretar. Nesta dicotomia entre o novo e o velho, despreza-se o legado patrimonial do passado e privilegia-se o “real”, como os reality shows, porque supostamente correspondem aos interesses dos alunos. Como podemos ajudar o aluno a ter espírito crítico a discutir o Big Brother?
Diz que os professores não podem “servir o Estado como máquinas”. Mas há programas para cumprir. Qual o papel do professor para resistir ou contornar estes programas?
O professor tem, por vezes, de desobedecer. Quando nos pedem, por exemplo, para sermos compreensivos com os erros ortográficos. Não poderia levar as instruções da máquina de lavar para a aula, como se está a fazer a partir do 1.º ciclo. Tenho é que levar contos de fadas, e outros, para que os alunos se habituem desde cedo à palavra.
Fala da leitura do regulamento do Big Brother. Mas há outros, o professor pode escolher. Depende dos manuais.
Sim, mas sinto que se um aluno consegue interpretar um texto literário tem todas as ferramentas para quando sair da escola elaborar um regulamento, um currículo ou uma carta. Se escreve bem é porque sabe pensar, ora se sei pensar sei ler um regulamento. A aula de Português não é uma aula de secretariado, sem desprimor para o secretariado.
Há quanto tempo não dá aulas?
Desde 2007. Ainda que não esteja reformada, continuo em contacto com muitos alunos, por causa de um exame, de um teste ou de um trabalho, e também com colegas. É por isso que também vou conhecendo o que se passa na escola. E o que sinto é o acentuar da menorização da competência científica dos professores e a valorização de supostas competências pedagógicas. A escola tem de acrescentar algo aos alunos, essa é a sua função. Não é fazê-los regredir, fechando-os nos seus interesses.
Os interesses dos alunos não devem determinar aquilo que se ensina?
Creio que não são os alunos que devem definir os objectivos da educação. O que se tem é de prepará-los para a vida e isso requer qualidade e exigência. A sua ausência do ensino prejudicará todos, sobretudo os mais desfavorecidos. Por exemplo, lia a Enid Blyton dos Cinco, mas não na sala de aula. Agora os livros da ministra da Educação [Uma Aventura] vão para a aula. As minhas filhas leram-nos em casa, mas ficaria abismada se um professor lhes dissesse que iriam analisar esses livros.
Se pudesse mudar alguma coisa, que solução apresentaria?
Neste momento, interromper a euforia das teorias pedagógicas. Porque foram elas que definiram o facilitismo, afastaram a dificuldade, instauraram o lúdico. Têm de ser debatidas e mostrar os efeitos que estão a ter.
Neste momento, interromper a euforia das teorias pedagógicas. Porque foram elas que definiram o facilitismo, afastaram a dificuldade, instauraram o lúdico. Têm de ser debatidas e mostrar os efeitos que estão a ter.
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