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terça-feira, março 25, 2014

Um Enterro

Há 15 dias fui ao velório e posterior enterro do pai de uma grande amiga minha. O senhor tinha muita idade, começou a ter dificuldades em respirar, foi para o hospital, piorou muito e faleceu devido a insuficiência respiratória, pelo menos é isso que se julga uma vez que agora as certidões de óbito, feitas  informaticamente são totalmente inócuas e despidas de informação para os familiares. Antigamente as mesmas eram escritas à mão por um médico e lá vinha expresso o modo como a pessoa faleceu, mas ao que parece resolveram que já basta o sofrimento da morte e por isso não é preciso ler mais nada e fica assim tudo entre o faleceu-porque-isso-é-a-ordem-natural-das-coisas-e-vocés-não-têm-nada-que-saber-pois-essa-informação-fica-para-quem-tenha-competências-e-isso-não-é-o-vosso-caso e o levam-esse-papelinho-e-têm-muita-sorte-em- ficarem-com-algum-documento-passado-pelo-médico-que-certificou-o-óbito! Enfim....
Bem, o que é certo é que como minha amiga que sou dela e do irmão, fui ao velório e a o enterro. Tudo se passou numa pequenina aldeia para as bandas das Caldas da Rainha, uma aldeiazinha das antigas em que o pouco número de pessoas permite que todos se conheçam e que apareçam na igrejinha (por sinal, lindíssima) a cumprimentar a viúva e restantes familiares, a assistir à missa fúnebre com atenção e deferência para quem está a sofrer e posteriormente a acompanhar o caixão até à sua última morada. É daquelas aldeias que quem não vai à igreja e ao cemitério porque ao quotidiano não lho permite, vai mais tarde à casa da viúva dar os pêsames e se encontrar algum parente do falecido  na rua dá logo os seus sentimentos e mostra pesar. Foi aqui que pela primeira vez fui a um enterro a pé, atravessando a aldeia até ao pequenino cemitério. O carro funerário ia à frente com o caixão, atrás iam acólitos da igreja segurando estandartes vermelhos e as pessoas que quiseram ir até ao cemitério iam atrás caminhando lentamente. Estava um dia glorioso de sol e a minha amiga confessa-me que sendo o pai um homem ligado à terra, às flores e às plantas de certeza que estaria satisfeito por ser enterrado num dia daqueles.
Dei por mim enquanto caminhava a lembrar-me  do enterro da minha saudosa avô que  faleceu  há alguns anos e pleno mês de dezembro. Foi enterrada num dia de chuva e de  frio. O céu estava  muito nublado e  no fim do enterro  eu e uma grande amiga minha demos por nós sozinhas perante a sua sepultura porque a inclemência do tempo afugentou toda a gente para os seus carros, seres desejosos de  chegar a casa e aquecerem o corpo e a alma, pois de facto caía muita chuva e estava um frio miserável.
Assim, não pude deixar de lhe dar razão no que respeita ao bonito dia que estava. De facto, o tempo alegra as almas e apesar do momento triste as pessoas acompanhavam o caixão com passo leve, banhadas por aquele sol primaveril e tenho a  certeza que o falecido descansando agora eternamente também estaria a  regojizar-se por aquele dia tão claro e bonito. Chegados ao cemitério, o padre diligentemente  faz uma última missa e o corpo desceu à terra. Ficou num espaço muito bonito, rodeado por campas bem tratadas e onde se vê que ali os mortos estão permanentemente acompanhados dos seus entes vivos que um dia lhes farão eterna companhia. Nesse momento dei por mim a segurar o braço da minha desconsolada amiga e a pensar o quanto somos precários. Não somos nada, somos seres frágeis, despidos de qualquer super poder. Nunca percebi ( e agora mais do que nunca) o porquê de tantas guerras e mal entendidos.
A nossa inteligência que nos fazem distinguir dos animais( cada vez duvido mais dessa teoria), não nos protege de absolutamente nada. Do pó viemos e em pó nos tornaremos. Somos folhas lançadas ao vento. Umas vezes esse vento é brando, na maior parte das vezes é bem inclemente. Os imponderáveis da vida, em que hoje estamos bem, e daqui a pouco podemos ser atropelados ou receber a notícias que estamos com uma doença ou perder o emprego e entrarmos numa espiral de desespero e carências várias, a morte estúpida  num acidente de carro ou dentro de um avião (como é o caso mais recente do avião desaparecido) faz-nos refletir o quando não somos frágeis. 
Não há nada melhor para nos darmos conta da nossa fragilidade do que irmos a um enterro ou visitarmos os nossos ente queridos falecidos. É ali em contacto com a morte que a reflexão surge assim como a verdade nos é atirada em cara. A morte espreita a cada esquina.
Contudo, não posso deixar de pensar que é   bom não estarmos sempre a lembrar disso, porque é essa perspectiva de invencibilidade que permite e permitiu ao homem as suas mais incríveis criações.
Apesar disso, penso que não podemos pôr de parte em nenhum momento, que muito da nossa vida é feita sempre numa base muito precária, e talvez por isso inúmeros seres humanos são capazes de vender a alma ao diabo para nesta vida conseguirem tudo, passando por cima de todos.
 Ali naquele pequenino cemitério, dei por mim a pensar que o que nos resta nesta vida é levá-la o mais cabalmente possível, como entidades  imperfeitos que somos. Se todos os seres humanos pusessem  de parte a maldade, a inveja, e tantos outros defeitos que enxameiam a nossa alma e que nos envenena o espírito de certeza que criaríamos um mundo bem melhor. Como isso não é possível, resta vivermos o melhor possível e acarinharmos quem nos é próximo, tendo sempre em mente a ideia que somos seres mortais e que não ficamos aqui para sempre e que o eterno repouso está ali a um passo de distância, num pequeno cemitério de aldeia ou num de uma grande cidade.
Como alguém um dia disse, para morrer nada mais é preciso do que respirarmos todos os dias.
(Este post é para ti minha boa amiga, que estás a sofrer imenso porque adoravas o teu pai que eu tenho a certeza que agora está a descansar e a velar por ti, teu irmão e tua mãe.Coragem!)